Créditos de PIS e COFINS decorrentes de gastos com ICMS-ST
A chamada substituição tributária progressiva, comumente conhecida como substituição tributária “para frente”, está prevista no art. 150, §7º da CF, o qual determina que “a lei poderá atribuir ao sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Nessa forma de arrecadação, há o deslocamento da responsabilidade de pagamento do tributo para o início da cadeia produtiva. Assim, há a imputação do recolhimento do tributo a outro agente da cadeia de produção, o qual passa a ser o “substituto” do pagamento de obrigação tributária decorrente de fato gerador que ainda virá a ocorrer (fato gerador presumido) e no qual outrem figura no polo ativo da relação jurídica original, ou seja, o substituído. Há que se ressaltar, porém, que, segundo essa sistemática, o encargo financeiro relativo ao pagamento do tributo é suportado pelo substituído, apenas não lhe sendo imputado o dever de recolhimento, o qual deve ser antecipado.
Como se percebe, o encargo financeiro pelo pagamento do tributo pertence ao substituído, mas acaba, na prática, sendo momentaneamente transferido ao substituto, o qual acaba por realizar o pagamento antecipado do valor do imposto, repassando-o, posteriormente, àquele através do custo de aquisição da mercadoria.
Assim, o ICMS-ST, acaba por integrar o custo de aquisição da mercadoria adquirida para a revenda, mas se torna, no entanto, irrecuperável, uma vez que é vedado ao contribuinte substituído pela legislação correspondente creditar-se da parcela respectiva em sua escrita fiscal, bem como destacá-lo na nota fiscal de aquisição do produto.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal -STF já se pronunciou diversas vezes no sentido de que o ICMS-ST integra o custo de aquisição do produto destinado à revenda, como, por exemplo, quando do julgamento das ADIs nº 2.675/PE e 2.777/SP e RE nº 593.849/MG (Tema nº 201).
Ademais, idêntico posicionamento é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, como podemos observar, exemplificativamente, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.909.823[1], no qual este Tribunal afirmou:
“Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor.” (Destacamos)
O art. 303, §1º do RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018) também é expresso ao afirmar:
“Art. 301. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período de apuração ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 14 ).
(…)
Em face do exposto, considerando o entendimento jurisprudencial e legislação de regência, podemos concluir que o ICMS-ST deve ser considerado custo de aquisição da mercadoria destinada à revenda e, portando, tributo irrecuperável, gerando, portanto, créditos de PIS e COFINS. Isso porque entendemos que deve ser aplicado ao caso o disposto no art. 3º das Leis nº 10.637/2002[2] e 10.883/2003[3] (que tratam do regime não cumulativo do PIS e da COFINS, respectivamente), e que estabelece, em síntese, que a pessoa jurídica poderá descontar créditos em relação aos (i) bens adquiridos para a revenda e, (ii) bens utilizados como insumo na produção ou fabricação de bens destinados à venda.
Esse é, aliás, o entendimento que vem sendo amplamente acolhido pelo STJ, conforme podemos observar pela leitura das seguintes decisões muito recentes:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO AO PIS. COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. ICMS-ST. DIREITO AO CRÉDITO. PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA DESTE STJ. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015.
II – A Primeira Turma deste Superior Tribunal firmou compreensão segundo a qual os valores correspondentes ao ICMS-ST reembolsados pelo substituído podem ser qualificados como custo de aquisição da mercadoria para efeito de geração de créditos de PIS e COFINS no regime não cumulativo (e. g. 1ª T. AgInt no REsp 1.461.708/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 04.10.2021, DJe 07.10.2021; REsp 1.909.823/SC, de minha relatoria, j. 02.03.2021, DJe 11.03.2021;-,AgInt no REsp 1.878.250/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 01.12.2020, DJe 09.12.2020).
III – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
IV – Agravo interno desprovido.”
(AgInt no REsp 1876244/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 17/02/2022- Destacamos)
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO PIS. COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. ICMS-ST. DIREITO AO CRÉDITO. PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA DESTE STJ.
(AgInt no REsp 1461708/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2021, DJe 07/10/2021- Destacamos)
Não obstante o entendimento claro e hialino externado pela legislação e jurisprudência, a Receita Federal do Brasil, em posicionamento manifestamente dissonante de ambos, por diversas vezes, se manifestou no sentido de que o ICMS-ST não integra o custo de aquisição do produto destinado à revenda, não gerando créditos de PIS e COFINS, como se observa Solução de Consulta DISIT/SRRF04 nº 4011/2016:
“Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
O ICMS cobrado por substituição tributária (ICMS-ST), pago pelo adquirente na condição de substituto, não integra o valor das aquisições de mercadorias para revenda, por não constituir custo de aquisição, mas sim uma antecipação do imposto devido pelo contribuinte substituído na operação de saída da mercadoria. Sobre a parcela do ICMS-ST, não poderá a pessoa jurídica descontar créditos de Cofins, no regime de apuração não cumulativa dessa contribuição. VINCULAÇÃO À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 106, DE 11 DE ABRIL DE 2014. Dispositivos Legais: Constituição Federal, art. 150; Lei Complementar nº 87, de 1996, arts. 9º, 10 e 13; Lei nº 10.637, de 2002, arts. 3º e 66; Instrução Normativa SRF nº 404, de 2004, art. 8º; Instrução Normativa SRF nº 594, de 2005; Parecer Normativo CST nº 70, de 1972; Parecer Normativo CST nº 77, de 1986.
Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep
O ICMS cobrado por substituição tributária (ICMS-ST), pago pelo adquirente na condição de substituto, não integra o valor das aquisições de mercadorias para revenda, por não constituir custo de aquisição, mas sim uma antecipação do imposto devido pelo contribuinte substituído na operação de saída da mercadoria. Sobre a parcela do ICMS-ST, não poderá a pessoa jurídica descontar créditos de Contribuição para o PIS/Pasep, no regime de apuração não cumulativa dessa contribuição. VINCULAÇÃO À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 106, DE 11 DE ABRIL DE 2014.Dispositivos Legais: Constituição Federal, art. 150; Lei Complementar nº 87, de 1996, arts. 9º, 10 e 13; Instrução Normativa SRF nº 247, de 2002, art. 66; Instrução Normativa SRF nº 594, de 2005; Parecer Normativo CST nº 70, de 1972; Parecer Normativo CST nº 77, de 1986.” (Destacamos)
Sendo assim, em face dos entraves ocasionados pela RFB para aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS decorrentes de gastos havidos com o ICMS-ST, recomendamos que as empresas contribuintes recorram ao Poder Judiciário para assegurar o exercício do direito em tela de forma segura e sem a imposição de quaisquer óbices. Trata-se de uma possibilidade muito interessante e válida, que traria, por certo, um fôlego financeiro adicional ao seu fluxo de caixa, o qual, como sabido, acaba por restar severamente impactado em um contexto de crise econômica e também em razão dos efeitos decorrentes da pandemia.
Permanecemos à disposição para auxiliá-los na definição da estratégia adequada ao caso, bem como prestar esclarecimentos adicionais sobre o assunto.
Fernanda Biagioni
fernanda.biagioni@demesbritoadvogados.com.br
O escritório Demes Brito Advogado – DBA, por meio do sócio Demes Brito – Está assessorando os idealizadores do projeto para implementação da FerroGuarani.